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Apesar da baixa representação política, direitos das mulheres avançam no Brasil

São Paulo, por Kleber Patricio

10ª Marcha das Mulheres Negras do RJ, ocorrida em junho de 2024, reivindica direitos. Foto: Tania Rego/Agência Brasil.

Por Nina Ranieri — O reconhecimento de direitos às mulheres é recente. No Brasil, só em 1988 a igualdade entre homens e mulheres foi inscrita na Constituição. Até 2002 ainda vigia o Código Civil de 1916, no qual se previa a anulação do casamento pelo homem caso ele desconhecesse prévia defloração da mulher e a deserdação de filha desonesta que vivesse na casa paterna. Apesar de a representação das mulheres em espaços de poder ter pouco avançado nessas últimas décadas, as brasileiras vêm obtendo a aprovação de leis e políticas favoráveis às suas demandas, especialmente no campo da saúde e da proteção contra a violência.

Se o século 20 marcou o ponto de inflexão na representação política e jurídica das mulheres, foi também o período em que, lentamente, superou-se a politização das diferenças biológicas entre homens e mulheres. Durante séculos, premissas como a inferioridade feminina e sua exclusão política foram incorporadas às teorias políticas, de Aristóteles a Kant. Estratégias como a carência educacional, a doutrinação de gênero e a divisão moral entre mulheres ‘respeitáveis’ e ‘não respeitáveis’ fortaleceram o sistema patriarcal, associado a privilégios de raça e classe.

A luta pelos direitos das mulheres ganhou força na segunda metade do século 19, com a primeira onda do feminismo, que reivindicava o direito ao voto, à educação e, posteriormente, aos direitos laborais, civis e à disposição sobre o próprio corpo. Contudo, mesmo com as conquistas ao longo do século 20, desigualdades de gênero persistem, refletindo-se na democracia e na representação política.

As brasileiras, que votam desde 1932, e são a maioria da população e do eleitorado, no Executivo contam com apenas duas governadoras e 15% das prefeitas. No Legislativo, são 17% entre deputados federais e, no Judiciário, 38% dos magistrados. Nas Cortes Superiores, há somente cinco no Superior Tribunal de Justiça, uma no Supremo Tribunal Federal e sete no Tribunal Superior do Trabalho; na próxima semana, em 12 de março, a única magistrada do Superior Tribunal Militar tomará posse como presidente da corte.

Uma boa notícia é que a legislação se tornou mais especializada; os órgãos estatais dedicados à proteção e promoção das mulheres, mais estáveis. Ampliou-se a interpretação constitucional vinculada a problemas concretos e direitos das mulheres foram garantidos pelo STF em decisões inovadoras, como a do casamento homoafetivo ou a do aborto legal do feto anencefálico. Apenas no ano de 2020, a Corte decidiu 95 processos relacionados ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de número 5 (ODS 5) da ONU – igualdade de gênero.

A tendência, desde o início dos anos 2000, se deve a dois fatores principais: 1) atuação dos movimentos feministas em Conselhos e Agências dedicadas às mulheres, fazendo avançar ações estatais, atuando em litigâncias estratégicas e participando de audiências públicas, fora dos espaços de representação tradicionais e 2) transformação da postura estatal, nos três Poderes, intensificando-se sua ação em benefício da equidade de gênero.

A persistência das desigualdades, porém, requer renovados compromissos e aprimoramentos da ação estatal voltada a superá-las. Trata-se de um processo inacabado e perene, devido à extensão, complexidade e tenacidade das inequidades de gênero. Cidadania se aprende. Só desta forma se enraíza na cultura para ser vivida, reclamada, promovida, e o Dia Internacional da Mulher nos lembra disso.

Sobre a autora

Nina Ranieri é jurista e professora do departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP; é também coordenadora da Cátedra Unesco de Direito à Educação. Já atuou como secretária-adjunta de ensino superior do Estado de São Paulo e é membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo

(Fonte: Agência Bori)