O Natal resgata a saga de um personagem muito característico nesta época do ano: O Papai Noel. Em nossas memórias lúdicas, o bom velho abastece sua sacola de presentes com os pedidos e sonhos que acumulamos durante todo o ano, embarca em seu trenó e desliza pelos ares distribuindo sonhos. Sua espera é muito desejada, principalmente pelas crianças que vivem essa magia no dia 25 de dezembro. Uma época que traz consigo uma mescla de sentimentos que nos envolvem, como últimos dias de um ciclo de muitas lutas e dificuldades e a expectativa de um novo ano nos dando a oportunidade de um recomeço com novas possibilidades e objetivos – principalmente em um ano tão atípico como foi esse 2020.
Foi um ano disruptivo, que nos trouxe constantes mudanças e redesenhos. Sofremos perdas, vivenciamos de perto a dor. Saboreamos o gosto amargo de um luto coletivo, carregado de incertezas e insegurança. Ao mesmo tempo, nos enchemos de esperança por uma vacina que possa desacelerar o desenvolvimento avassalador de um vírus invisível que interrompeu vidas e famílias. E talvez um dos maiores aprendizados dos últimos meses tenha sido a constatação de que é preciso voltar para o essencial e ver que não precisamos de tantas coisas, mas de paz, harmonia, mais afeto, saúde, vitalidade, empatia e relações que possam nutrir nossa alma com alegria e amor. Percebemos a urgência do olhar sereno voltado para os detalhes e a valorização de pequenos prazeres. Entendemos que não controlamos nada. Nem o tempo, nem o que está externo a nós. Enfim, esse ano despertou a necessidade de conexão com nosso eu e nossa alma. Um reencontro consigo mesmo.
O ano da valorização da saúde mental e do equilíbrio emocional que, em muitos, ficou abalado. A pandemia evidenciou a fragilidade e debilidade do corpo e da mente. Estávamos tão distraídos com nossos afazeres diários que não nos demos conta de quão frágeis podemos ser. O Natal e o fim de ano promovem o desejo de renascimento da esperança e é onde são feitas promessas lançadas ao universo. É quando refletimos sobre nossa vida e despertamos sonhos e desejos. Porém, é necessário lembrar que sonhar é um dos verbos mais bonitos, mas realizar é o mais importante da vida. Independente de como tenha sido seu ano, difícil ou não (para a grande maioria foi, sim, muito difícil), devemos parar e fazer nossas reflexões acerca do que está por vir e do que queremos para os próximos 365 dias. Com tudo isso, percebemos que a clássica sacola vermelha de Papai Noel em 2020 não vem carregada apenas de coisas materiais. E não poderia ser diferente.
Diante de tanta incerteza, medo e dúvidas dos últimos tempos, crescem e se espalham os desejos por presentes mais subjetivos, voltados para a saúde mental. Desejos de equilíbrio, resiliência e bem-estar. Principalmente para quem perdeu pessoas queridas e evidenciou que bens materiais não preenchem o espírito e o vazio deixado pela ausência. Com isso, o bom velhinho é a personificação dessa esperança por dias melhores.
Porém, não vamos sobrecarregar o bom velhinho com tantos pedidos. É claro que muitos destes desejos dependem única e exclusivamente de ações nossas. Uma ressignificação da mente e de nossa maneira de ver o mundo e nossas relações interpessoais. Sua dedicação e foco devem ser considerados e potencializados para que, no próximo ano, algumas situações possam ser mudadas e corrigidas sem lamentações.
Precisamos deixar de sermos reféns de nossos sonhos vazios e, por meio de atitudes, criarmos possibilidades para que as pessoas possam praticar o “bem sem olhar a quem”, promover o respeito como moeda essencial nas relações humanas, a fim de que a ética e a moral sejam práticas rotineiras para um bem coletivo. Que possamos estar abertos para discordar de nós mesmos, modelar nossa visão de mundo de acordo com os fatos e, não, os fatos de acordo com nossa visão de mundo, pois as nossas crenças, verdades e respostas absolutas não são o único caminho correto para se achar sentido na vida; outras possibilidades podem existir além do significado que nós mesmos damos. E que junto ao anúncio de chegada de um novo ano possamos estar com nossa mente e corações cheios de esperança e resiliência para sermos e fazermos um 2021 bem melhor.
Não caia na armadilha de se deixar levar pela ilusão imposta de que é uma época em que temos a obrigação de estarmos sempre felizes. Isso não é verdade. Essa configuração de compromisso de uma alegria plena apenas cria frustração. Vamos respeitar a individualidade do outro, entendendo que cada um tem seu tempo. Nem todos estão em momento de pensar em coisas boas; tivemos muitas separações e lutos. A significação das perdas é subjetiva. Não se pode atropelar o outro pela imposição do otimismo. Deslegitimar a experiência de dor das pessoas é um ato negligente e irresponsável.
Portanto, a palavra chave para o próximo ano é resiliência. Não se nasce forte, torna-se. Apesar disso, acredite que poderá ser forte e busque por isso. Se em algum momento isso não for possível, não se cobre tanto. Até no caos nos descobrimos seres humanos e encontramos a nossa verdade. Quanto ao Papai Noel, você pode sim, elevar seus desejos para que ele traga saúde mental, equilíbrio e muita força para você dentro da gigante sacola que ele carrega em todos os natais. Mas, lembre-se que só através do autoconhecimento e do compromisso consigo mesmo é que você poderá minimizar as angústias e frustrações acumuladas nos últimos tempos. Então, ame, chore, grite, sorria, reflita e se permita viver como um grande desbravador de seus desejos e descubra o verdadeiro significado desta data. Embora o tempo seja sempre o mesmo, essa convenção se reveste de importância na medida em que, nos condicionando ao início de uma etapa diferente, renovada, fazendo o verdadeiro uso do significado do natal (nascer/renascer), sintamo-nos emulados a uma renovação.
Transforme-se intimamente e faça uma desconstrução de tudo o que limita e impede seu crescimento. Busque ampliar os sentidos para um novo olhar e uma nova vida. Abrace sua transformação e, com dedicação e foco, considere e potencialize o que tem de melhor para que, no próximo ano, algumas situações possam ser mudadas e corrigidas através do fortalecimento da esperança e da vontade de ser melhor. Sua saúde mental agradece.
Dra. Andréa Ladislau é psicanalista, Doutora em Psicanálise, Membro da Academia Fluminense de Letras – cadeira de numero 15 de Ciências Sociais, Administradora Hospitalar com Gestão em Saúde, Pós Graduada em Psicopedagogia e Inclusão Social, Professora na Graduação em Psicanálise, Embaixadora e Diplomata In The World Academy of Human Sciences US – Ambassador In Niterói, Professora Associada no Instituto Universitário de Pesquisa em Psicanálise da Universidade Católica de Sanctae Mariae do Congo. Professora Associada do Departamento de Psicanálise do Saint Peter et Saint Paul Lutheran Institute au Canada.