Uma pesquisa realizada por um grupo internacional formado por 59 cientistas vinculados a instituições de pesquisa de 14 países diferentes relata a descoberta de um anel ao redor do objeto transnetuniano Quaoar que mantém uma dinâmica orbital até então desconhecida. Em razão deste achado, o grupo sugere a revisão de uma teoria do Século 19 que norteia os estudos sobre a formação de anéis planetários no Sistema Solar. O estudo, liderado por pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com participação de cientistas da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), está publicado na edição de quarta-feira (8) na revista “Nature”.
Ao descrever um anel em torno de Quaoar, o paper reforça descobertas recentes que indicam a existência de anéis ao redor de corpos celestes menores e não planetários do Sistema Solar, como aqueles já relatados no centauro Chariklo e no planeta-anão Haumea. Em Quaoar, um candidato a planeta-anão de raio estimado de 555 km, o anel circular está situado a um raio de 4.100 km do corpo central. Tal medição extrapola, e muito, os 1.780 km calculados como o Limite de Roche deste objeto transnetuniano.
Na astronomia, o Limite de Roche é a distância entre dois corpos que, em tese, define se um objeto secundário, que orbita em torno do outro, será um satélite natural, de estrutura íntegra como a Lua, ou um anel fragmentado em diversas partículas distribuídas ao longo da órbita do corpo celeste principal, como os anéis de Saturno. Para calcular tal limite, a equação de Roche, um astrônomo francês do Século 19, leva em conta, de maneira resumida, as densidades e os tamanhos dos astros envolvidos e a força de maré, relacionada à força gravitacional, para determinar as zonas de formação dos satélites naturais e dos anéis que orbitam um determinado corpo celeste.
Pela teoria, todos os objetos dentro do Limite de Roche se fragmentam pelas interações geradas pela força de maré e se tornam anéis. Por outro lado, acreditava-se até então que todos os objetos secundários fora do Limite de Roche se apresentassem em forma de satélites naturais, de luas, o que o anel de Quaoar pôs em xeque com este estudo.
No artigo, os pesquisadores escrevem que os dados colhidos por meio de observações feitas a partir de locais diferentes da Terra indicam, “provavelmente”, a necessidade de revisitar parte dos conceitos vigentes na equação proposta em 1847: “de fato, a equação se aplica a um satélite fluido que é partido perto de um planeta. Mas o processo inverso, a aglutinação de partículas em um satélite, implica mecanismos não contabilizados na equação”, escrevem os cientistas no paper, que demandou uma programação minuciosa de observações e simulações numéricas de modelos dinâmicos dos objetos em estudo.
Até esta descoberta, todos os anéis densos conhecidos do Sistema Solar, casos dos anéis de Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Chariklo e Haumea, repetiam o padrão descrito no Século 19, localizados relativamente próximos ao corpo central. “No caso de Quaoar, você tem um anel que está muito fora. É a primeira vez que vimos uma violação nisso do que esperamos do Limite de Roche. Geralmente, quando estamos observando e tentando encontrar anéis, nem observamos regiões tão distantes do corpo central. Havia dados de observações que o pessoal nem pensou em procurar anéis nesta região. Fomos olhar os dados anteriores e vimos que o anel já estava lá. O pessoal não tinha processado e analisado com calma para ver que tinha um anel ali”, afirma o professor Rafael Sfair, da FEG-Unesp, um dos autores do artigo, já antevendo os próximos desafios.
“A questão é: descobrimos esse anel, ele existe, está lá. Temos os dados que mostram que ele está lá. Mas por que esse material está na forma de um anel? Por que não se juntou em um satélite? Essas são as próximas questões que teremos que responder”, diz o docente.
A existência de anéis em corpos celestes menores é algo bem recente no mundo da astronomia. Até 2013, quando foram descobertos no asteroide Chariklo, os cientistas só conheciam os anéis planetários. Os achados mais recentes, em Haumea e agora em Quaoar, estão relacionados a dois dos chamados objetos transnetunianos, ou TNO (na sigla em inglês). Como o próprio nome indica, esses corpos celestes estão localizados após a órbita de Netuno, área também conhecida como Cinturão de Kuiper.
Os estudos dos objetos transnetunianos, localizados na periferia do Sistema Solar, são extremamente desafiadores para os cientistas, especialmente dadas as distâncias a que estão localizados. Quaoar está a 43 unidades astronômicas da Terra, ou 43 vezes mais longe do Sol do que o planeta que habitamos. Atualmente, estima-se que tenha um diâmetro de cerca de 1.100 km e seja um objeto rochoso, com uma camada de gelo por fora, perfil traçado para boa parte dos TNOs conhecidos. Quaoar tem uma lua, satélite natural chamado Weywot ,com diâmetro estimado de 170 km e situado a 14.500 km de distância de seu corpo, e agora o anel recém-descoberto, possivelmente de gelo e poeira, a um raio de 4.100 km.
Ao mesmo tempo em que observar e analisar os objetos transnetunianos é uma tarefa desafiadora, é estratégica para os astrônomos, pois os TNOs podem revelar informações relacionadas ao processo de formação e evolução do Sistema Solar. “Os objetos transnetunianos são resquícios do processo de formação do Sistema Solar. Entender esses objetos ajuda a entender como foi o processo de evolução do Sistema Solar. São objetos primordiais nesse sentido”, afirma Rafael Sfair.
(Fonte: Agência Bori)