Além de áreas como energia renovável, cosméticos, alimentos e insumos para a indústria, a biodiversidade da Amazônia também tem inspirado empresas que se dedicam à moda e à arte: são negócios de impacto que exploram a variedade da região como fonte de inspiração para produtos sustentáveis e éticos, gerando valor para a floresta e para as comunidades locais. A promoção do protagonismo dos povos tradicionais, da sua arte e saberes, também faz parte desses negócios – são empresas que reconhecem o valor da floresta em pé para o sustento e desenvolvimento das comunidades que nela vivem.
“A biodiversidade da Amazônia também está inspirando inovação nos segmentos de moda, acessórios e na arte”, diz Marcos Dá-Ré, diretor de Economia Verde da Fundação CERTI, realizadora e coordenadora, ao lado do Instituto CERTI Amazônia, da Plataforma Jornada Amazônia. O projeto busca estimular a criação de um pipeline de negócios inovadores para impulsionar o empreendedorismo, estabelecer e qualificar conexões com o mercado e fortalecer o ecossistema de inovação nos estados da região. “Isso é visível nas empresas do Sinergia, um programa da plataforma voltado a impulsionar negócios com impacto positivo na floresta: muitas delas estão explorando a rica variedade da região para desenvolver produtos sustentáveis, éticos e com uma identidade bem amazônica.”
Conheça abaixo quatro empresas que trabalham a diversidade da Amazônia para produzir e promover acessórios, roupas e obras de arte:
Urucuna
Idealizada pelas irmãs Júlia e Lígia Ferreira Tatto, a Urucuna nasceu do desejo de valorizar a cultura brasileira e a sociobiodiversidade junto aos povos tradicionais e indígenas. Lígia relata que desde crianças tiveram sempre contato e proximidade com povos originais e, em março de 2020, as empreendedoras estreitaram ainda mais a relação com as comunidades e artesãos da floresta. “A pandemia impactou bastante os artesãos e, no objetivo de escoar essa produção de arte local, começamos o e-commerce. No início apenas revendíamos as peças com margem mínima para apenas manter o custo da logística e revertíamos toda a renda para os artesãos. Com a evolução do negócio, ampliamos as nossas parcerias para a cocriação de velas aromáticas naturais junto com o artesanato local”, relembra. O produto se destaca no segmento de bem-estar, mas também de decoração por suas embalagens artesanais feitas à mão em conjunto com comunidades tradicionais: no aroma Proteção da Floresta, por exemplo, a base da vela pode ser o ouriço de castanha, o caroço do tucumã ou copo de vidro serigrafado com tampas de madeira pintadas por artesãs indígenas.
Em quatro anos, as empresárias já criaram quase 40 aromas de ambientes e impactam diretamente mais de 120 famílias de seis povos tradicionais diferentes. Lígia destaca que uma das preocupações centrais da empresa é promover a riqueza na Amazônia e a independência financeira das famílias que fornecem insumos e arte para a Urucuna. “O trabalho foi evoluindo junto com eles, porque nosso propósito é crescer com os povos da floresta, mas sem que eles dependam unicamente da Urucuna para o seu sustento. No entanto, chegou a um ponto que uma comunidade fornecia 68% do óleo de breu apenas para nós e isso não é positivo, porque eles precisavam diversificar essa fonte de renda. Pensando nisso, juntamos nossa expertise em marketing, comunicação e precificação e passamos a transmitir esse conhecimento para as comunidades que trabalhamos para que eles tenham protagonismo sobre seu negócio e ampliem as possibilidades de negócios”, conta Lígia.
A promoção do protagonismo dos povos tradicionais também passa pela valorização das mulheres dessas comunidades. Das famílias que fornecem insumos e materiais artísticos, como pinturas, para a Urucuna, as oficinas de capacitação em empreendedorismo e os pagamentos são, em sua maioria, realizados com as mulheres artesãs. “Compartilhando conhecimento e empoderando as mulheres, é possível mostrar que há oportunidades de trabalho e renda com a floresta em pé”, reforçou.
Pupti Amazon Art
A Pupti Amazon Art se dedica a celebrar a exuberância da Amazônia e sua riqueza cultural, compartilhando com o mundo as paisagens, formas, história, tradições e culturas da região – isso tudo a partir da arte: a startup criou uma plataforma de e-commerce de arte amazônica contemporânea focada na experiência do usuário e com funcionalidades como realidade virtual, realidade aumentada e modelagem 3D, entre outras. “A inspiração para criar a plataforma surgiu da vontade de estabelecer um empreendimento que não só proporcionasse satisfação pessoal, mas também gerasse um impacto positivo nas vidas de muitas pessoas”, conta Marcos Rego, CEO da Pupti. “Desde o início, a ideia era desenvolver um negócio com um propósito maior, focado na preservação e desenvolvimento sustentável da região amazônica.”
A ideia é que todos os que entrem em contato com a Pupti – concebida como uma marca de luxo – sejam impactados pela região que a plataforma representa. A empresa também faz uma curadoria apurada da arte amazônica para organizar exposições projetadas para apresentar a marca nos melhores centros do mundo. Os artistas que desejam fazer parte da plataforma passam por um processo de curadoria e seleção para garantir que seu trabalho esteja alinhado com a missão, visão e valores da Pupti. Para os artistas selecionados, a plataforma garante visibilidade internacional, assistência na comercialização das obras e acesso a um mercado de alto nível, além da colaboração e rede de contatos com outros artistas representados pela empresa.
Além de realizar exposições e eventos e gerar receita com venda de obras de arte, a Pupti planeja abrir lojas físicas conceito estrategicamente localizadas. “Nosso modelo de negócios se destaca por sua ênfase na sustentabilidade, na promoção da cultura amazônica e na colaboração com artistas nativos da região”, afirma Marcos. “Isso permite à empresa atrair um público de alto nível econômico, social e cultural, enquanto contribui para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e para a preservação de sua herança cultural”. Em 2023, o faturamento da Pupti Amazon Art cresceu 50% em relação a 2022. Até 2025, a marca projeta alcançar faturamento anual em torno de um milhão de reais.
Yara Couro
A Yara Couro produz couro a partir do tratamento de resíduos do pescado, em geral descartado de forma incorreta: o curtume verde criado pela empresa transforma a pele de peixe em couro para produção de bolsas e acessórios de luxo e alto valor agregado. “As peles que trabalhamos têm origem no resíduo: damos uma nova cara à pele de peixe, porque, para nós, o que iria para o lixo é matéria-prima”, explica a fundadora Bruna Freitas. “Dessa forma, conseguimos gerar uma nova fonte de renda a partir da comercialização das peles e, além disso, evitar que as peles sejam descartadas significa impedir que elas sejam incorretamente enterradas ou jogadas em rios.”
A empresa tem hoje três tipos de produtos. O principal foco da Yara Couro no momento é o desenvolvimento da tecnologia do produto intermediário: o couro acabado para indústria de moda e revestimento. “Nessa etapa o couro já está tingido, com acabamento e pronto para aplicação”, diz Bruna. “O que estamos fazendo é acrescentar elementos para tornar esse produto ainda mais atrativo para o mercado”. Tendo captado R$2 milhões em investimento no ano passado, a startup planeja aprimorar a tecnologia e trabalhar no MVP de uma fábrica própria para escalar a produção a nível industrial.
“A Yara foi criada a partir de um desejo muito grande que eu sempre tive de empreender”, Bruna narra. “Sou publicitária e sempre trabalhei com os negócios de outras pessoas. Tive meu primeiro contato com o segmento de moda quando trabalhei em Portugal e lá tomei gosto pelo ramo. Voltei pro Amapá no ano passado e, junto com o Frank Portela, o outro founder da empresa, que tem mais de 20 anos trabalhando com a indústria de couro, começamos a estudar mercado e a viabilidade de um produto inovador dentro do segmento.”
“Criar a Yara foi um processo muito bacana porque uniu tudo; o couro, a moda, a sustentabilidade, a identidade da Amazônia”, ela completa. “Além disso, nosso negócio está inteiramente orientado a gerar emprego e renda para comunidades de pesca e aldeias indígenas, o que cria um novo tipo de mercado capaz de evoluir a cadeia do pescado. Todos os que estão nesse ecossistema saem ganhando.”
Da Tribu
A Da Tribu é uma marca de moda que insere conceitos sustentáveis e respeita os saberes tradicionais dos povos da floresta para produzir joias, acessórios e objetos para casa com fios e tecidos feitos de borracha vegetal e outros biomateriais. A empresa foi criada em 2010, mas, segundo a fundadora Tainah Fagundes – que criou a Da Tribu ao lado de sua mãe e sócia Kátia Fagundes –, passou a se entender como um negócio social de impacto a partir de 2015. “Nossa inspiração é a própria Amazônia: queremos apresentar no nosso trabalho uma Amazônia real, mas sensível, incluindo as comunidades tradicionais e fazendo do nosso processo o mais colaborativo possível”, ela afirma.
A empresa é sediada na Ilha de Cotijuba, no Pará, uma área de conservação ambiental, e atua junto a populações extrativistas desenvolvendo seringais até então inativos. Hoje, a Da Tribu tem duas frentes de atuação: no varejo, vendendo diretamente para o consumidor, mas também junto a marcas parceiras que revendem os produtos pelo Brasil e pelo mundo, e no B2B, oferecendo biomateriais que podem ser utilizados por outras marcas e artistas para produção de roupas, sapatos, bolsas, joias e outros objetos. “Viemos aperfeiçoando os fios e tecidos que produzimos com a borracha natural nos últimos oito ou nove anos”, destaca Tainah.
Mais de 30 pessoas estão envolvidas no processo, desde a extração do látex até a produção dos fios, nos dois seringais onde a Da Tribu atua, somando cerca de 50 hectares de floresta preservada. A empresa recebeu um aporte de R$120 mil reais do programa de aceleração Investe Favela para compra de maquinário, e pretende alcançar faturamento de R$300 mil até o final de 2023. “Tínhamos um processo altamente manual que hoje é feito por meio de dois maquinários”, Tainah conta. “Conseguimos produzir 30 mil metros de fios mensalmente.”
Participação no Programa Sinergia
Urucuna, Pupti Amazon Art, Yara Couro e Da Tribu já participaram do Sinergia, programa que faz parte da Plataforma Jornada Amazônia, projeto realizado e coordenado pela Fundação CERTI e pelo Instituto CERTI Amazônia com coparticipação e investimentos do Bradesco, Fundo Vale, Itaú Unibanco e Santander. O programa Sinergia tem como objetivo gerar conexões e fortalecer negócios já existentes para gerar ainda mais impacto positivo para a floresta amazônica e para as comunidades envolvidas. O objetivo do programa é fortalecer cerca de 100 startups até o final de 2025. “O impacto da Jornada Amazônia no negócio da Pupti é significativo”, aponta Marcos Rego, CEO da empresa. “A participação em programas como esse permite ampliar visibilidade, construir conexões valiosas com outras empresas, investidores e especialistas no campo da bioeconomia e da sustentabilidade na região amazônica. Além disso, o Sinergia proporciona suporte direcionado, o que é vital para resolver desafios específicos. Isso inclui aprimorar práticas de negócios, desenvolver estratégias de sustentabilidade e crescimento, além de fornecer orientação sobre como maximizar o impacto positivo da empresa na região e no setor da bioeconomia.”
Já Lígia Tatto, da Urucuna, avalia que a participação no Sinergia foi um ponto de virada e profissionalização do negócio. “A Jornada Amazônia desenvolve um trabalho muito personalizado com os negócios que participam do Sinergia. Nossa trilha de desenvolvimento foi pensada para a gente e pegou exatamente na ‘ferida’, que era a parte técnica e financeira da empresa. Foi muito importante para reajustar nossa rota e, ainda, melhorar nossas técnicas de vendas”, comenta.
“A Jornada Amazônia traz uma perspectiva muito bacana ao negócio, nos permitindo ampliar horizontes, entender sobre nosso contexto regional e também nos aproximarmos de pessoas que estão na mesma jornada empreendedora que nós, com muita vontade de fazer acontecer”, completa Bruna Freitas, da Yara Couro. “A bioeconomia ganha, a Amazônia fica em pé e nós fazemos negócios rentáveis, viáveis e sustentáveis.”
(Fonte: Dialetto Comunicação)