Portugal enfrenta uma realidade paradoxal em dois de seus setores essenciais: os restaurantes e as artes. Responsáveis por movimentar a economia e enriquecer a cultura do país, ambos os campos compartilham características preocupantes, como a informalidade, as relações precárias de trabalho e a desvalorização dos trabalhadores. O setor de restaurantes depende fortemente de trabalhadores estrangeiros: 59% da mão de obra é imigrante, sendo desses 79% brasileiros, segundo estudo da AHRESP (Associação as Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) em 2024. Apesar de sua contribuição fundamental para o setor e para o turismo local, esses trabalhadores muitas vezes enfrentam jornadas exaustivas, baixos salários e, no caso dos estrangeiros, xenofobia. Na cena artística, as desigualdades também estão presentes, com remunerações incompatíveis com as funções desempenhadas e uma estrutura que frequentemente priva artistas de condições sustentáveis de trabalho.
É nesse contexto que surge EM.PREGO, exposição do artista brasileiro Eduardo Freitas que inaugurou no dia 22 de fevereiro na Galeria Municipal Vieira da Silva, em Loures. Inspirado por suas próprias experiências como artista e garçom (função desempenhada quando chegou ao país), Freitas combina escultura, multimídia e performance para expor as relações precárias do setor de restaurantes e suas conexões com o universo da arte. Com ironia e críticas afiadas, as obras reimaginam alimentos como órgãos humanos e brincam com as palavras, criando metáforas visuais que questionam os limites do corpo e as estruturas de poder da sociedade neoliberal.
Uma das obras da exposição, Sem fundos, apresenta um prato fixo na parede. Dentro do objeto, o artista exibe o extrato bancário de sua conta no dia da inauguração da mostra, com um saldo de apenas 15,06 euros, visibilizando a instabilidade financeira de sua própria profissão.
Na abertura da exposição, o artista ainda apresentou uma nova iteração da performance Empregado de Mesa, originalmente realizada na última edição da Bienal de Cerveira. Na obra, uma réplica do corpo do artista em cerâmica é colocada sobre uma mesa no centro do espaço. Usando um martelo, o artista quebra a escultura em pedaços, oferecendo seus cacos em uma bandeja aos convidados, em uma narrativa sobre o preconceito e o assédio sofridos pelos trabalhadores de restaurantes.
EM.PREGO convida o público a refletir sobre as condições subalternas impostas aos trabalhadores, seja dentro das cozinhas ou nas galerias de arte, evidenciando os desafios e as desigualdades que permeiam esses espaços. A exposição permanece aberta até o dia 4 de maio de 2025.
Freitas tem uma longa trajetória em Portugal, com exposições por todo o país. Atualmente, o artista também participa da coletiva A fragilidade do que persiste, em cartaz até 15 de março na Galeria Jovem, em Vila Franca de Xira, e de uma residência no Imaginarius Centro de Criação, em Santa Maria da Feira.
Serviço:
EM.PREGO
Exposição: até 4 de maio | terça-feira a domingo, das 10h às 13h e das 14h às 18h
Local: Galeria Municipal Vieira da Silva
Endereço: Parque Adão Barata, R. Alfredo Duarte Pinto, Loures, Portugal
(Com Patrícia Gil/OMA Galeria)