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Falta de dados oficiais dificulta monitoramento de ações de reconstrução de desastres

Brasil, por Kleber Patricio

Cerca de 80 mil pessoas estão em abrigos no Rio Grande do Sul, atingidos pelas enchentes desde final de abril. Fonte: Pedro Piegas/Prefeitura de Porto Alegre.

Por Victor Marchezini e Fernanda Dalla Libera Damacena — Independente do partido político uma espécie de ‘mal de Alzheimer’ paira no Brasil quando o assunto é desastres. Quando o desastre acontece, costuma-se recorrer a um suposto ineditismo da situação para justificar o improviso das ações no tema. Estamos improvisando há, pelo menos, 20 anos e desconsideramos que a recuperação de desastre é um dever governamental expressamente previsto em lei, cujo processo deve observância a uma série de critérios, sob pena de responsabilidade.

Entre janeiro e março de 2004, 1.224 municípios brasileiros foram atingidos por inundações e deslizamentos, com mais de 350 mil pessoas desabrigadas e 114 mil moradias danificadas ou destruídas. À época, como consequência da Resolução nº 8 do então Conselho Nacional de Defesa Civil, de 12 de fevereiro de 2004, constituiu-se o Comitê Gestor das Ações Federais de Emergência e os Comitês Gestores das Ações Federais de Emergência em 16 estados, para identificar os danos e coordenar ações de pronto atendimento às populações atingidas. Os relatórios do comitê trouxeram dados sobre pessoas desabrigadas e desalojadas e quantitativo de moradias, escolas, hospitais e pontes destruídas ou danificadas, mas não possuem informações sobre as ações de reconstrução e recuperação.

Anos depois, desastres como os do Vale do Itajaí (SC), em 2008, em Alagoas e Pernambuco, em 2010, e na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011, também registraram milhares de pessoas desabrigadas e casas destruídas, conforme publicações do Banco Mundial. Todavia, não existem informações acessíveis no site da Defesa Civil Nacional sobre as ações de reconstrução e recuperação nesses desastres, no sentido de saber se as famílias desabrigadas saíram dessa condição para uma moradia em lugar seguro, ou se estão ‘abandonadas nos desastres’. O Observatório dos Desastres, da Confederação Nacional de Municípios (CNM), também não possui tal tipo de informação sobre recuperação em desastres passados, embora já tenha estimado em R$7,5 bilhões os prejuízos econômicos do desastre de maio de 2024 no RS.

No desastre de 2008 no Vale do Itajaí (SC), a sociedade civil doou R$35 milhões e, após questionamentos dos desabrigados acerca do destino das doações feitas em seu nome, o Ministério Público requisitou ao Governo de Santa Catarina que criasse um Portal da Transparência para facilitar o monitoramento das ações e dos gastos. No desastre de 2010 em São Luiz do Paraitinga (SP), criou-se o Centro de Reconstrução Sustentável (CERESTA) para facilitar a integração entre órgãos dos três níveis de governo e os diferentes conselhos municipais, além de serem organizadas audiências públicas para ouvir os atingidos sobre os projetos e de reconstrução (dimensão material) e recuperação (dimensão psicossocial). No caso do desastre do RS, é importante destacar que Porto Alegre tem uma experiência de mais de 25 anos com o Orçamento Participativo, que poderia ser adaptado a outros municípios gaúchos a fim de incluir as ações de reconstrução.

Dentre todos esses desastres, são poucos os exemplos de ações de transparência ativa nos processos de reconstrução. A notícia mais recente neste sentido vem do Programa Recupera RS, instituído pelo Tribunal de Contas da União, que tem como um dos objetivos facilitar a transparência dos processos.

Nunca é demais lembrar que o direito à recuperação de desastre engloba ações de caráter definitivo tomadas após o evento, para restaurar os ecossistemas restaurando o cenário destruído, restabelecer as condições de vida da comunidade afetada, impulsionar o desenvolvimento socioeconômico local, além de recuperar as áreas degradadas para evitar a reprodução das condições de vulnerabilidade ligadas ao desastre.

Sobre os autores:

Victor Marchezini é sociólogo no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden/ MCTI) e coordenador do Projeto Capacidades Organizacionais de Preparação para Eventos Extremos – COPE (com apoio da Fapesp).

Fernanda Dalla Libera Damacena é sócia no Damacena e Nascimento Advogados Associados, consultora e pesquisadora especialista em Direito dos Desastres.

(Fonte: Agência Bori)