Secas históricas, enchentes devastadoras. A crise hídrica é um dos alarmes da pegada ecológica da humanidade. Diante deste cenário, como partilhar um recurso finito na Terra, que é a água, de forma sustentável e justa? Este é um dos questionamentos do livro Governança da Água no Brasil: A necessidade de compartilhar a água no Antropoceno, publicado pela Universidade de Amsterdam, na Holanda, na quinta (17).
Segundo a obra, o cenário de mudanças climáticas exige um novo paradigma de governança da água em todo o planeta que leve em consideração o compartilhamento equitativo entre humanos e natureza. A gestão também deve incluir nos processos decisórios os agentes públicos e institucionais, como governo e agências, e comunitários, como os comitês de bacia, no caso do Brasil, além de comunidades marginalizadas.
De autoria da pesquisadora brasileira Eva Barros e com base em sua tese de doutorado, o livro identifica a influência do modelo capitalista na trajetória da gestão da água, que ao longo das décadas esteve à serviço do desenvolvimento econômico. Isso ocorreu especialmente na agropecuária, na geração de energia e nas demandas da indústria – em detrimento da sustentabilidade e do equilíbrio ambiental. No Brasil, especificamente, relatório da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) publicado em 2024 aponta que irrigação, abastecimento humano e indústria, juntas, representam 84% do volume de água retirada no país.
A pesquisa de Barros alerta que, no Brasil e no mundo, a demanda para o consumo de água para subsistência é mais alta do que a oferta de água. Como estudo de caso, a pesquisa destacou a Bacia do Rio São Francisco, que perpassa cerca de 8% do território nacional. O rio é considerado o quarto maior do país e determinante para a economia e sustentabilidade dos estados que percorre, especialmente, Bahia, Pernambuco e Alagoas. A construção de três grandes reservatórios – Três Marias, Sobradinho e Luiz Gonzaga – auxiliou na vazão do rio e ajudou na produção de energia elétrica para o país, mas o momento atual é de crise e é agravada por uma política de incentivo à irrigação agrícola.
Para Barros, o aumento dos conflitos relacionados à gestão da água desperta a necessidade de rever a gestão da água centralizada e pouco democrática ainda vigente. “Dadas as circunstâncias atuais, a governança da água requer dois elementos principais: adaptabilidade e inclusão. A adoção desses dois elementos possibilita um compartilhamento equitativo e sustentável dos recursos hídricos entre todos os atores, incluindo as pessoas marginalizadas e a natureza”, comenta a autora
A obra dá um passo além da Agenda 30 da Organização das Nações Unidas (ONU), que traz a justiça hídrica entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ao propor soluções práticas como ferramentas que auxiliam na governança dos recursos hídricos. Entre elas, composições de partilha do recurso, de riscos e responsabilidades envolvendo, em caso aplicável ao Brasil, atores como o governo, por meio da ANA, usuário e sociedade civil, na figura dos comitês de bacia.
Segundo Barros, a pesquisa permitiu o desenvolvimento de uma caixa de ferramentas inovadora à disposição dos tomadores de decisão para que considerem as interconectividades existentes na gestão dos recursos hídricos. “Este conjunto de ferramentas considera diferentes níveis administrativos, desde o nível internacional até o nacional, passando pelas bacias hidrográficas (como a do São Francisco) e os estados da Bahia, Pernambuco e Alagoas”, explica a autora. Ela espera que os resultados sejam incorporados no planejamento diante de desafios como o uso limitado de recursos hídricos e a necessidade de um compartilhamento equitativo da água.
(Fonte: Agência Bori)