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‘Ignorantes’ e ‘ineficientes’: instrução normativa do RS é influenciada por estereótipos negativos sobre pescadores artesanais

Rio Grande do Sul, por Kleber Patricio

Pescadores artesanais são retratados de forma negativa por documentos consultados por técnicos para elaboração da Instrução Normativa Conjunta 2004 sobre pesca no RS. Foto: Sevval Kaynak/Pexels.

Ideias preconceituosas sobre pesca e pescadores artesanais influenciaram ato administrativo do Ministério do Meio Ambiente sobre pesca artesanal no estado do Rio Grande do Sul. Constatado por estudo da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade de São Paulo (USP), o uso de estereótipos que retratam pescadores como ignorantes e adeptos de práticas predatórias danosas ao meio ambiente dificulta a criação de propostas eficazes e justas de regulamentação do setor. A análise está publicada em artigo científico da edição de sexta (23) da revista “Ambiente & Sociedade”.

Os pesquisadores investigaram estereótipos sobre pesca artesanal contidos em publicações científicas ligadas a técnicos que participaram da formulação da Instrução Normativa Conjunta de 2004 sobre a atividade de pesca no estuário da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, implementada durante a gestão da ministra do meio ambiente Marina Silva, no governo Lula. Com um levantamento bibliográfico e entrevistas com seis profissionais que participaram da criação da política, eles identificaram 22 documentos científicos ligados aos técnicos participantes, como artigos científicos, teses e livros.

A imagem estereotipada que estes técnicos tinham sobre as comunidades pesqueiras influenciaram a construção da norma. A pesquisa identificou nove tipos de discursos negativos sobre os pescadores artesanais nestes documentos. Eles descrevem esses sujeitos como brancos, totalmente dedicados à pesca, ignorantes, avessos a mudanças, desordeiros, isolados, ineficientes, competitivos e adeptos de práticas predatórias danosas ao meio ambiente.

Para o pesquisador Gustavo Goulart Moreira Moura, da UFPA e autor do estudo, a criação desse perfil negativo sobre pescadores não é uma coincidência isolada e, muito menos, uma prática nova. “A construção de uma imagem depreciativa desses grupos sociais se inicia no século XIX, se consolida ao longo do século XX e continua a vigorar no século XXI, pois é parte de um projeto de destruição de territórios tradicionais, de conquista dos mares por meio da modernização capitalista da pesca”.

O trabalho enfatiza que utilizar discursos baseados em estereótipos negativos sobre a pesca artesanal para a formulação de normas pode levar à reprodução de discursos de ódio contra comunidades pesqueiras e, também, gerar ações que limitam seu acesso a territórios. “Esta lógica vai subsidiar políticas públicas feitas de forma autoritária, violenta e restritiva, porque os povos e comunidades tradicionais de pesca são vistos como ignorantes, marginais e destruidores do meio ambiente”, relata Moura.

De acordo com Moura, a reformulação da INC 2004 vem sendo discutida há algum tempo, mas ainda não foi efetivada. Um dos problemas da norma apontados pelo pesquisador é a sua falta de dinamismo, que não acompanha a rotina da pesca artesanal no estuário da Lagoa dos Patos. “As comunidades tradicionais têm um sistema de manejo da pesca com abertura e fechamento de safras flexível baseada nas condições ambientais e na localidade ano a ano, ao contrário do que propõe a norma”.

O trabalho destaca a importância de se levar em conta os conhecimentos tradicionais de pescadores na elaboração de leis e normas mais equitativas e eficientes. O esforço passa por quebrar estereótipos sobre estas comunidades, o que requer, segundo Moura, uma ação coordenada entre setores da sociedade. “Por exemplo, é preciso sensibilizar a grande mídia para não espalhar preconceitos contra esses grupos sociais e para ajudar a cobrar dos tomadores de decisão a elaboração de leis sejam feitas dentro do marco dos direitos humanos. Os tomadores de decisão deveriam escolher consultores que compartilhem valores compatíveis com o Estado Democrático e de Direito”, conclui.

(Fonte: Agência Bori – Pesquisa indexada no Scielo)