Nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá e Amanã, no Amazonas, a população ribeirinha não conta com abastecimento público de água potável e por isso recorre a tratamentos caseiros para consumir a água do rio ou da chuva. Mas, uma pesquisa constatou que métodos comuns na região são insuficientes para garantir a segurança das comunidades. As conclusões estão em artigo de cientistas do Instituto Mamirauá, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), publicado no periódico ‘Frontiers in Water’ na quinta (25).
O uso de técnicas caseiras para filtrar a água torna-se uma alternativa para comunidades de áreas remotas diante da seca que atinge o Amazonas e outros estados da região Norte. Segundo previsões, neste ano, a seca no Amazonas tende a ser tão ou mais intensa que a de 2023. Com falta de água potável, muitas pessoas recorrem à água de rios quase parados, ou poços simples, chamados de ‘cacimbas’, ou, mesmo, à água de chuvas intermitentes, que podem estar contaminadas.
Nos tratamentos de água do rio e da chuva testados pelo estudo, o método mais potencialmente problemático usado pelas comunidades é a combinação de técnicas de sedimentação – em que a água é deixada em repouso para decantar – e de filtragem com panos comuns, que não retêm adequadamente a sujeira. Ele pode, inclusive, contribuir para a proliferação de microrganismos nocivos à saúde quando a água entra em contato com objetos que não estão suficientemente limpos.
A equipe de pesquisa acompanhou o tratamento de água em 18 residências de três comunidades ribeirinhas das reservas Mamirauá e Amanã. Os pesquisadores avaliaram a efetividade das técnicas de sedimentação, de filtragem em pano e de cloração, na qual o cloro age como desinfetante. Eles examinaram diferentes combinações dessas técnicas e usaram a aplicação de produto comercial que elimina impurezas da água como referência para comparações.
Os cientistas analisaram as amostras antes e depois dos processos considerando a cor e turbidez da água, os níveis de cloro livre e a presença de coliformes, mais especificamente, da Escherichia coli. Essa bactéria fecal ocorre naturalmente no organismo de humanos e de outros animais; então, sua presença na água de consumo indica que não houve tratamento adequado. A turbidez da água, por sua vez, funciona como escudo que protege os microrganismos na desinfecção e reduz a eficiência do cloro.
Na água sem tratamento, de origem tanto fluvial como pluvial, o estudo encontrou altos níveis de E. coli. A sedimentação foi efetiva apenas para remover parte da turbidez da água do rio e de sua cor aparente; ou seja, não diminuiu a presença de coliformes. Já a cloração foi eficaz para a completa desinfecção da água da chuva, mas não a do rio, cuja turbidez persistiu. Para a água do rio, o tratamento com menos riscos à saúde foi o da sedimentação aliada à adição de cloro, com a maior porcentagem (33%) de amostras analisadas como tendo nenhum ou médio risco. “A água potável é aquela que não causa nenhum problema de saúde para a população, e não é isso que estamos vendo na Amazônia”, observa Leonardo Capeleto de Andrade, um dos autores do estudo. Mesmo com a distribuição gratuita pelo governo brasileiro, o hipoclorito de sódio, produto que contém cloro ativo e é indicado para desinfecção da água, não demonstra aderência nas comunidades, possivelmente pelo gosto e pelo cheiro forte que deixa na água de beber, avalia o estudo.
Maria Cecília Gomes, pesquisadora do Instituto Mamirauá e primeira autora do artigo, ressalta a importância da universalização do saneamento básico, política pública que garantiria abastecimento de água potável em localidades hoje desassistidas. “Com a seca de 2023 na Amazônia, constatamos a importância do tratamento domiciliar de água, sempre existindo como solução em áreas remotas ou situações de emergência. O governo e a população precisam estar preparados para agir nesses casos”, conclui.
A pesquisadora lembra que estamos em um contexto de seca na região amazônica, em 2024, que exige preparação. Segundo ela, é preciso facilitar o acesso dos moradores a tratamentos mais seguros, como a adição de cloro, ainda pouco populares nestas comunidades, incentivando seu uso. Após a conclusão do trabalho, parte dos moradores recebeu treinamentos para aprimorar a eficácia dos métodos tradicionais de tratamento de água e os pesquisadores seguirão realizando atividades de sensibilização.
(Fonte: Agência Bori)