Nos últimos meses, tem crescido um movimento dentro de algumas empresas questionando políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI). A resistência, que antes era pontual, agora se organiza em discursos e práticas que vão desde cortes em orçamentos voltados para iniciativas inclusivas até a retirada de compromissos públicos sobre o tema.
Nos Estados Unidos, o movimento contra a diversidade já começa a aparecer em grandes empresas, como JPMorgan Chase, Walt Disney Company, Morgan Stanley e Citigroup, que estão reduzindo ou eliminando seus programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI). Segundo levantamento da plataforma de empregos Indeed, em 2023 as ofertas de vagas nos Estados Unidos na área de diversidade, equidade e inclusão caíram 44% em relação a 2022. Essa tendência é impulsionada por uma combinação de mudanças legais, como a decisão da Suprema Corte dos EUA que declarou que programas baseados em raça em admissões universitárias violam a Cláusula de Proteção Igualitária. “Diversidade não é apenas um valor social, mas um motor essencial para inovação e vantagem competitiva. Empresas que reduzem investimentos em DEI podem limitar sua capacidade de atrair talentos diversos, impactando diretamente sua criatividade, capacidade de resolver problemas e, consequentemente, sua relevância no mercado”, comenta Camilla Kobayashi, diretora de pessoas da Zup – empresa de tecnologia do grupo Itaú Unibanco.
Uma razão possível é o fato de as big techs terem ajustado as operações após as contratações em massa na pandemia. Desde 2022, ao menos 300.000 empregos foram ceifados por empresas como Amazon, Alphabet, Microsoft e Meta, aponta a consultoria Crunchbase. No afã de cortar gastos, as empresas eliminaram quem foi considerado pouco efetivo para o retorno financeiro. Em 2023, os fundos de investimento da categoria ESG tiveram mais saídas do que entradas de capital nos Estados Unidos — o saldo ficou negativo em US$13 bilhões, o que expressa a debandada de investidores.
O movimento reflete no mercado brasileiro, que também mostra sinais de que essa agenda está ganhando força. De acordo com um estudo da startup To.gather, 60,9% das empresas no Brasil não têm uma área dedicada à diversidade e inclusão (D&I). A pauta é frequentemente encaminhada ao setor de Recursos Humanos (RH), onde compete com outras demandas. Entre as empresas que têm uma área dedicada à D&I, 93,6% têm investimento específico para políticas de diversidade. Já nas empresas onde a pauta é conduzida pelo RH, apenas 27,3% têm esse tipo de destinação orçamentária.
“A diversidade no ambiente de trabalho não pode ser tratada como uma pauta secundária dentro do RH. Empresas que não investem em diversidade estão abrindo mão de uma vantagem competitiva. Estudos mostram que equipes diversas são mais inovadoras, produtivas e engajadas – contra fatos, não há argumentos. O fato de 60,9% das empresas no Brasil não terem uma área dedicada à diversidade evidencia que ainda há um longo caminho a percorrer. Na Factorial, diversidade não é opcional: é um pilar estratégico para crescimento sustentável. Para que essa agenda avance, é essencial que o RH tenha o apoio da liderança e um orçamento específico, garantindo que as iniciativas de D&I saiam do discurso e se traduzam em ações concretas”, ressalta Renan Conde, CEO Brasil da Factorial – startup unicórnio desenvolvedora de software para gestão e centralização de processos de RH e DP.
No Brasil, apenas 4% das pessoas trans e travestis estão empregadas no mercado de trabalho formal e apenas 0,02% tiveram acesso ao ensino superior, de acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra). Esses números destacam a urgência de iniciativas que promovam a inclusão e o apoio a essa comunidade.
Em resposta a essa necessidade, a Nilo, healthtech que oferece uma plataforma SaaS automatizada de captação e engajamento digital de pacientes, por meio de seu Comitê de Diversidade e Inclusão, implementou um benefício essencial: o auxílio ao tratamento de hormonioterapia, que custeia parte do tratamento medicamentoso para as pessoas trans do seu time. Victor Marcondes, fundador e CHRO da Nilo, enfatiza a importância desse apoio: “Um dos pilares que norteiam a Nilo é o de segurança psicológica, que dentro do que acreditamos, significa oferecer um ambiente acolhedor para que todos possam ser quem são. Para nós, o benefício de auxílio ao tratamento de hormonioterapia, ao lado de outras ações que consideram a diversidade e inclusão, reforçam, em conjunto, o compromisso que temos com esse pilar, bem como fortalece a nossa cultura para que nossos Nilers alcancem o máximo do seu potencial.”
Para Hosana Azevedo, Head de Recursos Humanos no Infojobs e porta-voz do Pandapé, a diversidade no Brasil tem sido amplamente discutida no mundo corporativo, mas sua adoção como um pilar estratégico ainda não é uma realidade para todas as empresas. Enquanto algumas companhias nos EUA estão reduzindo investimentos em DE&I, no Brasil, muitas empresas seguem implementando iniciativas nesse sentido — seja por exigências do mercado, dos consumidores ou por uma compreensão mais estratégica da diversidade como diferencial competitivo. “No Brasil, a diversidade deixou de ser apenas uma boa prática ou algo que as empresas ‘fazem por fazer’. Para muitas organizações, já se tornou um fator estratégico para engajar colaboradores, atrair talentos e garantir competitividade. Mas ainda há um longo caminho a percorrer e as empresas que não se adaptarem correm o risco de perder oportunidades de inovação e de se posicionarem como líderes em um mercado cada vez mais exigente”, afirma Hosana Azevedo.
Diante desse cenário, a diversidade e inclusão seguem como temas fundamentais para o desenvolvimento do ambiente corporativo e da sociedade. Mais do que uma pauta pontual, a promoção de espaços diversos e inclusivos está associada à inovação, produtividade e competitividade. O avanço dessa agenda depende de iniciativas consistentes e estruturadas, garantindo que a equidade se traduza em ações concretas e sustentáveis.
(Com Beatriz Mota/NR7 Agência)