Permitir que bebês se movimentem de forma livre pelo espaço da creche é essencial para promover experiências espaciais significativas durante a primeira infância, de acordo com um estudo publicado no último dia 29 na revista científica ‘Educação e Pesquisa’. O trabalho é parte da dissertação de mestrado do pedagogo Rafael Kelleter, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), que se baseou na abordagem Pikler, desenvolvida pela pediatra húngara Emmi Pikler em 1946. A abordagem busca criar um ambiente que incentiva a exploração, a descoberta e o desenvolvimento autônomo dos bebês.
Durante dez meses, Kelleter acompanhou oito bebês com idades entre 4 meses e 1 ano e 5 meses em uma creche particular de Porto Alegre que se vale da abordagem Pikler com as crianças. “Muitas creches restringem a circulação de bebês por precaução, mas, na perspectiva desta abordagem, há a promoção de espaços, tempos e materiais e o acompanhamento do adulto para que os bebês possam se movimentar e fazer escolhas”, afirma Rodrigo Saballa de Carvalho, orientador de Kelleter e pesquisador da UFRGS. Os bebês eram cuidados por duas professoras, uma estagiária e duas auxiliares.
A liberdade dada às crianças pequenas lhes permitiu melhor desenvolvimento motor e maior interação entre si, na percepção dos pesquisadores. Na abordagem, os bebês são reconhecidos como sujeitos ativos e competentes desde o nascimento e, por isso, o papel dos adultos é observar, facilitar e prover um ambiente seguro e estimulante. Quanto aos espaços, na creche havia brinquedos, móveis e elementos naturais, como folhas, galhos, pedras e terra.
Além da abordagem Pikler, existem outras metodologias usadas em creches ao redor do mundo para estimular o desenvolvimento dos bebês. Em Portugal, por exemplo, há a Pedagogia-em-Participação, que promove a participação ativa das crianças no processo educativo. Dos Estados Unidos, vem a abordagem High Scope, que foca em atividades planejadas e aprendizagem ativa. Da Itália, destaca-se a abordagem Reggio Emilia, que valoriza a expressão das crianças através de várias linguagens, como arte e música. Ainda em Portugal, o Movimento da Escola Moderna utiliza um modelo pedagógico que incentiva a colaboração e a autonomia. Da Inglaterra, o trabalho de Elinor Goldschmied enfatiza o brincar heurístico, que é uma forma de as crianças explorarem o mundo ao seu redor através de objetos do cotidiano. No Brasil, apesar de não haver metodologias específicas tão difundidas, o conceito de brincar heurístico tem ganhado destaque nas creches.
O grande desafio para a adesão de abordagens pedagógicas, no entanto, é a formação de professores que atuam em instituições que atendem à primeira infância. É preciso que os adultos se atentem à promoção de espaços seguros e ricos em estímulos para as crianças, além de aprender a perceber as necessidades e se comunicar com os bebês. “No geral, os bebês têm as suas necessidades de atenção pessoal atendidas; todavia, em muitos casos não são reconhecidos como sujeitos de direitos, mas, na perspectiva que estudamos, eles são sujeitos sociais, já nascem pessoas, não são bebês que um dia serão pessoas”, reflete o pesquisador.
Carvalho e seu grupo de pesquisa defendem, no entanto, que existe a possibilidade de desenvolver a abordagem Pikler em instituições públicas, mesmo com suas limitações. “Existem restrições porque há um número muito maior de bebês e um número menor de professores, os espaços são mais restritos, mas a abordagem pode inspirar as práticas nas instituições públicas a partir dos seus princípios, que podem ser recontextualizados em cada realidade”, afirma Carvalho.
(Fonte: Agência Bori)