Os movimentos rurais produtores de alimentos intensificaram a doação de alimentos e o advocacy em favor da segurança alimentar para enfrentar os desafios na distribuição e acesso a alimentos frescos durante o primeiro ano de pandemia de Covid-19. Além disso, eles inovaram ao adotar aplicativos para venda de produtos, aproximando pequenos produtores de consumidores. É o que aponta estudo de pesquisadores das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio Grande do Sul (UFRGS) em parceria com a Universidade Livre de Berlim publicado na “Revista Brasileira de Ciências Sociais” na quarta (20).
O estudo traz um panorama do modo como os movimentos rurais reagiram à pandemia, com recorte nos meses de março a setembro de 2020, a partir da análise de notícias divulgadas nos sites de quatro organizações: Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no Brasil (Contraf-Brasil), Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A ideia era identificar as iniciativas e classificá-las de acordo com o tipo de ação, área de incidência, fase do sistema alimentar atingida (produção, distribuição, consumo) e escala de atuação (local, regional, nacional).
Os pesquisadores identificaram cinco tipos de iniciativas desenvolvidas por esses grupos. A mais comum delas foi a doação de alimentos produzidos pelas organizações analisadas, evidenciando o lugar social do campesinato como produtores da comida que chega à mesa da população. Trata-se de uma ação de solidariedade em um contexto de emergência: o aumento da fome. Eles também identificaram a realização de reuniões de pressão ou negociação destes movimentos, chamados de lobby ou advocacy, com membros do legislativo, executivo ou judiciário.
A pesquisa mostrou que os movimentos rurais diversificaram suas ações, em alinhamento com as pautas já defendidas por eles ao longo de sua história. O MST, por exemplo, não apenas doou alimentos in natura de sua produção rural, mas também distribuiu marmitas feitas com alimentos agroecológicos para atender pessoas que não possuem meios para preparar seus alimentos.
Houve espaço, no entanto, para inovações. “Percebemos o destaque ao tema da produção de alimentos saudáveis”, diz Priscila Carvalho, uma das autoras do estudo. A temática é, segundo os pesquisadores, nova para esses movimentos rurais. “É uma forma de valorizar a origem e a qualidade dos alimentos produzidos por agricultores familiares”, complementa Carvalho. A pesquisadora acredita que essa escolha “fortalece a ideia que vem sendo defendida pelo movimento de que camponeses produzem comida de verdade”.
A necessidade de levar alimentos aos centros urbanos levou a um terceiro tipo de ação, voltado à construção de mercados alternativos. Nesse caso, a ideia era encurtar a distância entre produtores e consumidores, o que foi feito pela venda de cestas de alimentos em diversos canais, como grupos de WhatsApp e perfis de redes sociais. Por fim, os movimentos rurais organizaram lives, festivais, campanhas e outros eventos de mobilização, além de produzirem conteúdos, como cartilhas sobre o auxílio emergencial e os principais debates no Congresso Nacional sobre alimentação.
“São iniciativas diversas e que podem ter desdobramentos importantes”, diz Marco Antonio Teixeira, um dos autores do estudo. “A construção de mercados alternativos de alimentos, por exemplo, pode causar um rearranjo da ação política dos movimentos sociais que, até recentemente, têm olhado mais para o Estado e para a sociedade do que para o mercado”. Segundo o grupo de pesquisadores, o estudo pode contribuir com a reflexão sobre como o ativismo alimentar pode apoiar produtores e consumidores em momentos críticos, como ocorreu na pandemia.
(Fonte: Agência Bori)