Pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) publicaram nesta quarta (24) uma nota técnica sobre os acenos e ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro a servidores públicos durante os quatro anos de seu mandato. De acordo com o levantamento, os policiais foram a categoria mais elogiada pelo ex-presidente, com menções em 80% dos discursos positivos. Já os servidores ambientais foram os mais atacados, recebendo menções em 28% dos conteúdos críticos.
O estudo analisou postagens na rede social X (antigo Twitter) e do canal do ex-presidente no aplicativo de mensagens Telegram, além de falas checadas pela agência de checagem Aos Fatos. Ao todo, foram contabilizados 19.802 conteúdos publicados durante a vigência do mandato do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022. Eles passaram por uma filtragem automatizada com 37 palavras-chave relacionadas ao serviço e aos servidores públicos. Por fim, uma limpeza manual selecionou 521 conteúdos relevantes para a pesquisa.
Os cientistas identificaram seis categorias profissionais de servidores públicos: profissionais do judiciário, da saúde, da área ambiental e indígena, policiais e outros. O número de acenos, 380, é mais do que o dobro que o número de ataques, 141. Os policiais receberam acenos em 307 conteúdos e ataques em apenas 18 conteúdos. Por outro lado, os servidores ambientais foram atacados em 40 conteúdos desse tipo e não receberam acenos.
“Podemos pressupor que existem nichos com os quais o ex-presidente dialoga; então, quando ele acena para policiais, ele está dialogando com a sua base eleitoral, que defende aquela categoria profissional também”, afirma Ergon Cugler, coordenador do estudo e pesquisador na FGV EAESP. “O mesmo acontece quando ele critica trabalhadores da pauta do meio ambiente”, completa. Gabriela Lotta, também autora do estudo e professora da FGV EAESP, observa que os acenos a policiais contribuem para legitimar práticas como o uso abusivo da violência pela categoria.
Contra servidores do judiciário, o principal discurso foi a crítica às urnas eletrônicas e a uma suposta fraude eleitoral. “Ao criticar e atacar a credibilidade das urnas, o presidente dá espaço para que a parcela da sociedade que não quer aceitar os resultados das eleições se volte contra o governante eleito”, explica Lotta.
Já servidores da saúde e professores foram atacados e acenados quase igualmente pelo ex-presidente ao longo do mandato. Cugler ressalta que isso faz parte da estratégia de comunicação com a base eleitoral. No discurso de Bolsonaro, há os ‘bons servidores’ de saúde e os ‘maus’, assim como os professores, descreve o pesquisador. Tais discursos influenciam a percepção sobre os servidores e os serviços públicos no cotidiano. “Os servidores públicos são a porta de entrada aos serviços públicos, como acesso à saúde nos hospitais, e não são poucos os relatos de agressão verbal e até física de cidadãos a estes trabalhadores”, comenta Cugler.
As falas do ex-presidente reforçam uma narrativa de ‘nós contra eles’, que é a base do populismo, de acordo com Lotta. “Isso abala a credibilidade, a imagem e mesmo o moral destes servidores, além de colocá-los como inimigos a serem combatidos”, aponta a pesquisadora. Para Cugler, um governante não deveria comprar briga contra servidores públicos, pois isso dificulta a implementação de políticas públicas e o acesso da população aos serviços. A partir dos resultados do levantamento, o grupo pretende analisar os efeitos de discursos de ataque e acenos sobre a atuação dos servidores públicos.
(Fonte: Agência Bori)