Notícias sobre arte, cultura, turismo, gastronomia, lazer e sustentabilidade

Positividade Tóxica: especialistas falam sobre os efeitos colaterais da felicidade exposta nas redes sociais

Brasil, por Kleber Patricio

Nessa realidade mascarada pelas redes sociais, não é permitido se sentir triste ou ter dias ruins. Fotos: divulgação.

Em meio a um bilhão de usuários ativos por mês, é difícil encontrar uma pessoa que não tenha perfil no Instagram. A plataforma possui 500 milhões de acessos diários e se tornou, além de uma rede social, uma rede comercial. Com a popularização dos influencers, basicamente tudo passa a ser monetizado, inclusive a felicidade. Através da tela do celular, a vida do outro aparenta ser perfeita: o corpo dos sonhos, bens materiais, viagens e felicidade em tempo integral. Mas não é bem assim.

Há materiais que circulam em blogs e portais que alegam que não é possível ser feliz sempre. Isso pode ser verdade ou não – depende do que está sendo chamado de felicidade. No âmbito da Psicologia Positiva, é usual se adotar o conceito construído pela professora Sonja Lyubormisrky: “Felicidade é a experiência de contentamento e bem-estar combinada à sensação de que a própria vida possui sentido e vale a pena”. Em outras palavras, felicidade é um estado no qual se vivencia um pouco mais de emoções positivas que negativas em uma vida que, apesar das circunstâncias, vale a pena ser vivida. E sim, pode ser uma experiência de longa duração.

Carla Furtado, mestre em psicologia e fundadora do Instituto Feliciência.

A problemática surge com a busca incessante por essa felicidade, que gera efeitos colaterais em quem consome diariamente essa “vida “perfeita” do outro. Nesse cenário, se populariza o conceito de positividade tóxica. A expressão tem sido usada para abordar uma espécie de pressão pela adoção de um discurso positivo aliada a uma vida editada para as redes sociais. “É aqui que mora um elemento pouco mencionado acerca da felicidade legítima: ela é uma experiência intrínseca, dispensa o reconhecimento de terceiros. Sorrisos pasteurizados em fotos sob filtros, vozes cuidadosamente moduladas e falas que se assemelham a pregações são apenas artifícios – esses sim, tóxicos, daquilo que surgiu bem antes da internet: a vida de fachada e a venda de receitas mágicas”, alerta Carla Furtado, mestre em psicologia e fundadora do Instituto Feliciência.

Bloqueio de emoções negativas | Como consequência dessa busca pela felicidade, as emoções negativas são bloqueadas. Nessa realidade mascarada pelas redes sociais, não é permitido se sentir triste ou ter dias ruins. “É importante observar que a psicologia positiva não orienta que se bloqueiem ou evitem emoções negativas. Do ponto de vista humano, isso sequer é possível e não seria recomendável”, aponta Carla. “Emoções são comportamentos autônomos em resposta a estímulos. Tome-se o medo, por exemplo: diante de um risco real, essa emoção é primordial para a preservação da vida e, embora seja de valência negativa, seu desfecho pode ser bastante positivo. É sempre importante ressaltar que felicidade não é uma emoção, mas costuma ser confundida com a alegria”, complementa a especialista.

É justamente assim que surgem problemas como ansiedade, depressão, transtorno de imagem, anorexia e bulimia, entre outros. “No Instagram, as pessoas conseguem praticar atividade física, ser a mãe perfeita, o pai perfeito, trabalhar, ser bem-sucedido, ter hora para tudo; então as pessoas acham que são obrigadas a fazer isso o tempo inteiro e acabam frustradas porque não conseguem ou se sentem cansadas”, explica a médica psiquiatra Renata Nayara Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília, a APBr.

Renata Nayara Figueiredo, médica psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr).

Ela explica que, com a sensação de não ter todo esse tempo, a pessoa fica frustrada, acha que a produtividade está baixa, que alguma coisa está errada. “É aquilo do eu não consigo ser a mãe perfeita, não consigo ser uma profissional maravilhosa, enquanto o outro consegue tudo isso. Então começa o sentimento de ansiedade, de menos valia, de baixa autoestima e isso pode gerar depressão e outros transtornos psiquiátricos”, acrescenta.

Para a especialista, é importante que o usuário entenda que o conteúdo das redes sociais é um recorte e não expressa a realidade ou como é a vida da pessoa por completo. “Um exemplo é a foto de comida – as pessoas não postam a refeição do dia a dia. E é preciso compreender que aquilo ali é um cenário, é um palco; as pessoas fazem aquela foto, aquilo ali não é uma foto espontânea. Ela está naquela rede social para chamar a atenção”, pontua.

Outro lado | Segundo a psiquiatra, os influenciadores também sofrem. “Eles buscam mais seguidores, mais curtidas e os que seguem querem ter uma vida daquelas, sendo que às vezes a pessoa só vive disso, de postar coisas, enquanto as outras vão postar coisas, vão seguir, vão trabalhar e vão fazer outras coisas também”, afirma. “Então isso tudo é um cenário. Cada um vai postando o que acha mais interessante e as pessoas têm que entender que aquilo ali não é a vida real”, complementa.

Outro ponto abordado por ela são pessoas que já têm algum distúrbio ou tendência a transtornos psiquiátricos. “Uma pessoa com esse tipo de problema, principalmente em relação ao corpo, vê essas fotos e se sente mal. Elas vomitam, param de comer ou deixam de sair de casa para não furar a dieta”, explica. “Então, esse tipo de ‘influência’ pode ser um gatilho para pacientes com transtornos alimentares, pela questão de estar sempre postando o corpo perfeito, a dieta perfeita e a refeição dos sonhos, entre outros pontos”, conclui.