Durante a ditadura militar, o Brasil, então crescente consumidor de pesticidas, passou a ampliar sua produção de agrotóxicos para reduzir a dependência de importações. Essa e outras ações que moldaram o uso de venenos na agricultura brasileira estiveram no escopo do Programa Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA), vigente de 1975 a 1980 no país. O Programa é tema de uma análise feita por cientistas da Casa de Oswaldo Cruz, publicada na “História, Ciências, Saúde – Manguinhos” nesta semana.
A partir da leitura crítica de documentos da Fundação Oswaldo Cruz e do Centro de Memória do Instituto Biológico de São Paulo, além de reportagens de jornais da época, os pesquisadores revisitaram a história do PNDA com o objetivo de esclarecer as ligações entre as políticas do governo civil-militar brasileiro e as dinâmicas globais de restrição do uso de agrotóxicos — à época já desigual, com permissões distintas em países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Do ponto de vista internacional, três pontos compõem o contexto da agricultura do período: a Revolução Verde, a implementação de políticas de desenvolvimento e as discussões sobre a temática ambiental. A Revolução Verde inspirava uma modernização agrícola, na qual os agrotóxicos tinham papel de aumentar a produtividade. Os países em desenvolvimento eram estimulados a criar políticas de modernização para alcançar os patamares dos EUA e da Europa, que detinham a vanguarda no campo. Por fim, as potências mundiais passaram a conhecer os impactos ambientais dos agrotóxicos, buscando rever seus modelos de produção.
No Brasil, o consumo de pesticidas era significativo antes da criação do PNDA — e apenas 22% dos venenos utilizados eram de produção interna. Havia, então, uma necessidade de aumentar a capacidade nacional de produção de agrotóxicos para reduzir a dependência do mercado externo. Nesse sentido, o Programa tinha o objetivo de ampliar a fabricação de venenos já produzidos no Brasil, e de iniciar a produção de opções ainda inéditas, como os organofosforados.
“Essa nova produção alterou o perfil do uso de agrotóxicos no Brasil”, diz Júlia Gorges, uma das autoras do artigo. “Passamos a ampliar o uso de pesticidas que, anos antes, eram foco de discussões e já haviam sido proibidos em países desenvolvidos.”
Apesar dos esforços no aumento da produção, o PNDA não teve sucesso em nacionalizar a fabricação de agrotóxicos. Isso porque poucos dos projetos contavam com capital exclusivamente brasileiro e matérias-primas essenciais para a síntese destes produtos ainda eram importadas. “No fim das contas, o que ocorreu foi uma internalização somente das etapas finais do processo produtivo de pesticidas”, diz Leonardo Lignani, que também assina o artigo. “A grande indústria química manteve as áreas de pesquisa e de registro de patentes em países ricos, deixando às nações menos desenvolvidas a ponta da produção: uma forma de dar continuidade à comercialização de defensivos proibidos em seus mercados”.
Segundo os autores, a análise da história do PNDA é importante por ajudar a construir o contexto do uso de agrotóxicos no Brasil — atualmente em debate pela possibilidade de aprovação do chamado do Projeto de Lei dos Agrotóxicos (PL 6299/2002) — e por possibilitar a evolução de pesquisas na área de políticas de desenvolvimento agrícola.
(Fonte: Agência Bori)