Nesta semana completamos quatro meses da eclosão da pandemia de Covid-19, a mais grave crise sanitária que o mundo vive desde a Gripe Espanhola, há 100 anos, quando estimados 600 milhões de pessoas foram infectadas no mundo. O novo coronavírus, até o dia 20 de julho, já havia contaminado mais de 14,5 milhões de pessoas, ceifando a vida de mais de 606 mil pessoas – sendo 2 milhões de infectados e 79 mil mortos no Brasil.
Enquanto não tivermos uma vacina capaz de conter o avanço do vírus e a população não se conscientizar da importância da inclusão de cuidados em sua rotina diária, aprendendo a conviver com o vírus no seu cotidiano, estes números tentem a aumentar tanto no Brasil como no mundo.
Juntamente com esta grave crise sanitária e de saúde, convivemos com outra crise: a econômica, que atinge indiscriminadamente trabalhadores, famílias e empresas. Mais de 600 mil portas já foram fechadas definitivamente e mais de 2 milhões de postos de trabalhos eliminados em um período de quatro meses, números estes que também tendem a aumentar, especialmente em setores economicamente mais vulneráveis e sofrendo maiores e mais longas restrições.
No caso do setor de Alimentação Fora do Lar – bares, restaurantes, botecos, padarias, compostos em sua grande maioria por pequenos e médios negócios, abertos por famílias, pessoas que perderam o emprego e viram no setor uma possibilidade de sustento e por milhões de informais –, a conta vai ainda mais longe. Várias cidades e capitais têm liberado o funcionamento dos estabelecimentos com restrição de horário, limitando o atendimento ao público de quatro a seis horas diárias, somente no período do almoço até o final da tarde. Mas essa abertura se mostrou mais do que economicamente inviável e teve baixa adesão dos empresários.
O Plano São Paulo, desenvolvido na melhor intenção de preservar a vida e controlar a pandemia no estado, criou condições para o isolamento social da população e o consequente retorno das atividades empresariais. Entretanto, apresenta restrições conceitualmente incorretas para o setor de bares e restaurantes, desalinhadas à realidade econômica dos negócios e desconsiderando completamente a prática e segurança sanitária que rege o setor.
A regra atual, permitindo a reabertura por seis horas limitada até às 17 horas, está causando efeito contrário ao desejado ao concentrar a volta de milhares de trabalhadores do setor em um curto espaço de tempo. E, por mais contraditório que possa parecer, estas regras estão incentivando aglomerações, promovendo a disseminação do coronavírus e piorando a crise sanitária do Estado e do País.
O setor de bares e restaurantes apresenta características muito específicas quanto ao perfil de consumo da população, variando desde o café da manhã, almoço, jantar e ceia. Este perfil de consumo impacta o desenho do modelo de negócio dos estabelecimentos, onde existem tipos especializados no atendimento para o jantar ou a ceia, como pizzarias (9%) e bares e botecos (12%), que, juntos, representam 21% dos estabelecimentos de alimentação fora do lar no Brasil, além de outros negócios com foco no atendimento aos finais de semana.
Em pesquisa realizada em 2015 pela Toledo Consultoria com 3.496 estabelecimentos, constatou-se que o consumo no período noturno representa 51% das vendas nos dias da semana e nos finais de semana este valor representa 50% do consumo.
No interior do estado, onde as cidades são menos adensadas, o perfil de consumo se intensifica nos períodos vespertinos, noturnos e aos finais de semana. Em pesquisa realizada em julho de 2020 pela Abrasel na Região Metropolitana de Campinas, constatou-se que 54% da receita dos estabelecimentos vem do período noturno e aproximadamente 50% se concentra nos dois dias do final de semana.
Quando sobrepomos as questões mercadológicas de perfil de consumo com as restrições de capacidade de ocupação, distanciamento entre mesas e cadeira, somadas à restrição de horário de consumo in loco até às 17 horas, a possibilidade de vendas dos estabelecimentos é reduzida a um teto de apenas 27% de sua capacidade instalada.
Há mais de 120 dias com restrição de venda de alimentos e bebidas para consumo no local, os estabelecimentos se reinventaram e recorreram ao delivery e take away. Dados da Abrasel mostram que as receitas geradas por estes canais de vendas representam, em média, apenas15% do faturamento antes da pandemia.
A restrição de horário até 17h será o golpe de misericórdia para os bares e restaurantes, mais do que dobrando os prejuízos mensais e criando um passivo que muitos não conseguirão absorver e sobreviver, dizimando milhões de empregos e empresas.
O que muitos empresários ainda não conseguiram colocar em números é que, quando os bares e restaurantes forem liberados para voltar ao atendimento, diversas despesas irão retornar em cheio, como aluguel, despesas com funcionários, encargos e custos com concessionárias – como energia, água e gás –, além da necessidade de quitação de despesas que foram deixadas para trás neste período.
Quando projetamos o fluxo de caixa de um restaurante com almoço executivo e cardápio ala carte no jantar e aos finais de semana, em conjunto com a receita vinda do delivery e take away, o impacto da pandemia é devastador. Ele já destruiu dois anos de valor do setor de alimentação fora do lar, segmento que mais emprega no país e um dos maiores precursores do empreendedorismo brasileiro.
Pelas estimativas mais otimistas, o setor voltaria a ter de 70% a 80% de receita somente em dezembro. Mas os prejuízos acumulados somente devem ser recuperados em meados de novembro de 2021, quando os estabelecimentos conseguirão quitar os prejuízos do período e voltar a ter lucros.
Além da questão econômica e financeira, vale lembrar a herança que esta crise vai deixar no mercado de trabalho. No Brasil, a alimentação fora do lar fechou cerca de 1 milhão de postos de trabalho, impactando 4 milhões de pessoas, quando levamos em conta que cada trabalhador é responsável por mais três dependentes, segundo a média nacional. Isso sem contarmos os postos indiretos, como prestadores de serviços, músicos, pequenos fornecedores e proprietários de imóveis desocupados, dentre tantas outros que dependem dos bares e restaurantes para sobreviver.
Por tudo isso, é preciso pensar em uma reabertura com melhores critérios, que possibilite da melhor forma possível a busca do equilíbrio econômico dos negócios e que seja viável para a continuidade da vida das empresas e, principalmente, dos postos de trabalhos. Se a conta não fechar, a situação vai ser ainda pior.
Matheus Mason é empresário no setor, proprietário de dois restaurantes e presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes da Região Metropolitana de Campinas (Abrasel RMC).