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Torcetex comemora 60 anos em Indaiatuba

Indaiatuba, por Kleber Patricio

8ebed5d8-6b67-4072-a46d-0cb3f59e7444Carmen Lúcia e Plínio José Cardoso da Silva (na foto à esquerda, com a filha Giovanna e o namorado Kaique Lima) comemoraram na última sexta-feira, 17 de junho, com festona no Le Luh Eventos, os 60 anos da Torcetex.

O evento contou com coquetel e jantar do Buffet Claudia Porteiro, decoração e ambientação de Marília Maia, uma palestra da historiadora Eliana Belo Silva, da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba e show de Jane Duboc e Eduardo Santhana e teve a participação de clientes, fornecedores, imprensa e diretores de outras empresas do município.

História

Em 1934, surge na cidade a Usina Indaiatuba, de propriedade de José Pedro Cardoso da Silva, transformada em 1942 na Fiação de Seda São Pedro. Na década de 50, com a chegada do nylon, a seda perde força no mercado e é criada a Torcetex com uma grande ideia – produzir palhas a partir do substrato do algodão. Ocorre que o médico José Pedro Cardoso da Silva, criador da empresa, desempenhou em Indaiatuba um papel de importância muito além da empresarial – de personalidade dinâmica e empreendedora, o médico teve um papel fundamental para o desenvolvimento da cidade.

Hoje, além de possuir uma alta diversidade de nichos de mercados atendidos, a empresa conta com um portfólio de mais 900 produtos, investindo sistematicamente em inovação.

A seguir, o texto da historiadora Eliana Belo Silva dá detalhes sobre o Dr. José Pedro Cardoso da Silva e fornece dados enriquecedores sobre a história da empresa e sua importância histórica:

Dr. José Pedro Cardoso da SilvaJosé Pedro Cardoso da Silva nasceu em Mogi Mirim, filho do casal Candido Cardoso de Almeida e Silva e Justina Carolina de Almeida e Silva que, além dele, teve mais dois filhos: Candido Cardoso da Silva (que faleceu em Indaiatuba no dia 7 de março de 1932) e Maria Cardoso da Silva (que foi professora em Caconde).

José Pedro Cardoso da Silva formou-se médico em 2 de abril de 1921, em uma cerimônia onde curiosamente, de 37 formandos, apenas uma era mulher: a Dra. Carmen Escobar Pires.

O início da carreira e a experiência em gestão hospitalar

Depois de formado, exerceu a carreira de médico e, em 20 de março de 1927, estava presente na inauguração da Santa Casa de Araçatuba, que na ocasião se chamava Hospital Sagrado Coração de Jesus, fundado por representantes da comunidade araçatubense com o objetivo de oferecer atendimento médico e hospitalar de forma gratuita para doentes carentes.

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A historiadora Eliana Belo Silva durante sua apresentação.

Ali, atuou não só como médico, mas como integrante participativo da viabilização técnica e funcional do hospital, participação esta advinda de seu temperamento de liderança e profundo senso de técnicas de gestão, que mais tarde o fariam, além de médico, empresário e político, tendo sido prefeito de Indaiatuba por duas gestões.

Médico no HAOC

Com base nos registros consultados, não foi possível determinar exatamente o ano correto em que Dr. José Cardoso mudou-se para Indaiatuba, sendo possível, no entanto, afirmar que ele medicava em nosso município e ao mesmo tempo também em Araçatuba.

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Funcionário da empresa desde os 12 anos de idade, o gerente comercial Renato Bissesto durante sua explanação sobre a trajetória da empresa.

É certo que o primeiro hospital de nosso município estava sendo acabado de ser construído, ou estava em seus primeiros meses de funcionamento, quando Dr. Cardoso veio para cá e, como médico, conheceu a mulher mais importante de nossa história municipal até hoje: D. Leonor de Barros Camargo – na ocasião em que ela e seu marido, Augusto de Oliveira Camargo (que havia ficado doente em 1921) decidiram, no final da década de 1920 – mais precisamente em 1928 – iniciar a construção, às suas custas, daquele que seria o Hospital Augusto de Oliveira Camargo, o HAOC.

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Jane Duboc e Eduardo Santhana deram o toque artístico às comemorações.

Aproximadamente um ano após a decisão do casal, no dia 1º de junho de 1929, a pedra fundamental foi lançada e, em 1933, no dia do aniversário do Sr. Augusto, o hospital foi inaugurado. Com a experiência que tinha na implementação do hospital em Araçatuba, com sua relevante formação e pelo jeito admiravelmente cortês que na verdade eclipsava um empreendedor e político perspicaz e perseverante, não foi difícil ganhar a confiança de D. Leonor, que, segundo relatos, o tratava maternalmente, como o filho que não teve, ouvindo seus pareceres e conselhos para a operacionalização dos primeiros anos do nosso HAOC.

Vida médica e constituição da família

O próprio Dr. Cardoso conta, em documentos manuscritos feitos por ele e doados por Plínio Cardoso da Silva para o Arquivo Público da Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, que ele veio para Indaiatuba quando ainda trabalhava em Araçatuba e aqui, com a esposa indaiatubana Sarah Walsh da Costa, teve suas quatro filhas e filho.

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O anfitrião Plínio Cardoso da Silva circulando entre os convidados: orgulho.

Sarah era filha do casal Elisa Walsh da Costa e do farmacêutico Francisco Xavier da Costa, que há anos fazia oposição política ao Major Alfredo Camargo Fonseca, que dirigiu Indaiatuba no poder executivo por 30 anos, 4 meses e 38 dias. Major Alfredo foi um dos pioneiros republicanos desse nosso país e dirigia nossa cidade nos moldes (ainda que variáveis) do Coronelismo da República Velha.

Durante tudo o período em que morou aqui, afirmava que, embora fosse ficar em Indaiatuba por pouco tempo – pois iria embora para educar os filhos em outra cidade com melhores recursos educativos –, não iria permanecer inerte perante os problemas que julgava públicos.

O despertar do homem público

Dr. Cardoso sofreu forte influência do sogro ‘Chiquinho Boticário’ (como era conhecido o dono da saudosa Farmácia Candelária) e de Scyllas Sampaio, sendo um político atuante e tendo sido prefeito por duas vezes, intercalando o cargo com o próprio Scyllas.

De início, envolveu-se na Revolução de 1932, que na verdade não foi uma Revolução e sim uma guerra civil paulista arrasada pelo Governo Vargas, e correligionou-se ao grupo que fazia oposição ao Major Alfredo, que, dentro de sua maneira de governar, era querido por grande parte da população que o tomava como padrinho, protetor ou parceiro.

Um cidadão atuante

Não são poucos os relatos que confirmam que D. Leonor tratava José Pedro como o filho que não teve. Embora a mansão que o casal Oliveira Camargo tinha em Higienópolis, São Paulo, fosse frequentada pelo médico sanitarista, cientista e bacteriologista Carlos Chagas, é muito provável que a aproximação de D. Leonor e Dr. José Pedro tenha fortalecido a intenção do casal de, além de inaugurar um hospital, prover a cidade de uma rede de abastecimento de água e de um prédio escolar moderno, nos moldes republicanos. É bastante adequado inferir que Dr. Cardoso tenha influenciado fortemente D. Leonor com o argumento de que, se ela quisesse mesmo mudar ainda mais a vida da comunidade, era necessário prover um espaço onde a Educação fluísse melhor e estabelecer meios de infraestrutura adequada – ou seja, a presença da água encanada no cotidiano das pessoas era imprescindível.

Essas ideias cidadãs advinham da Universidade de São Paulo, onde José Pedro havia se formado: a ideia de que a saúde pública não dependia apenas de um local apropriado de tratamento como o moderníssimo HAOC, mas sim de prevenção. As consequências que tais ideias e longos diálogos entre mãe adotiva e filho intelectual tiveram, já sabemos: D. Leonor – ou mais adequadamente o casal – construiu não só o HAOC, mas também o prédio do novo grupo escolar, o Grupo Escolar Randolfo Moreira Fernandes, e financiou o primeiro sistema de abastecimento público de água que levava o precioso líquido para dentro das residências: o sistema de bombeava água da Represa do Coppini (atual Museu da Água) para a caixa d’agua que está na esquina da Rua 24 de maio com a Avenida Presidente Vargas, próximo à Rodoviária.

O embrião da Torcetex

Registros documentados nos levam a afirmar que José Pedro Cardoso da Silva iniciou sua vida como empreendedor praticamente no mesmo período em que exercia a medicina em nossa cidade através de um inicialmente e pequeno negócio de beneficiar algodão.

O algodoeiro é uma planta nativa brasileira e desde a invasão de Cabral já se narrava o cultivo delas por indígenas para os mais diversos fins. Desde sua formação como bairro rural de Itu e caminho de tropeiros, Indaiatuba já tinha plantações de algodão, evidência comprovada nos testamentos de seus primeiros fazendeiros de cana-de-açúcar e depois de café. De início, o produto era utilizado para produzir rústicas roupas de escravos e sacos para exportar produtos agrícolas, sendo que os tecidos utilizados por outras classes eram, na sua maioria, importados da Europa. Mas a cotonicultura consolidou-se no Brasil de forma mais relevante apenas após o fim da Primeira Guerra Mundial. Com certeza, com a perspicácia de empreender, Dr. Cardoso percebeu o crescimento iminente do negócio e viabilizou uma indústria de beneficiamento de algodão em nosso município. E acertou em cheio: na vizinha Campinas já tínhamos, a partir de 1924 o Instituto Agrônomo estudando técnicas diversas para esse cultivo.

Em 1929, após a crise do café, o Estado de São Paulo expandiu a cotonicultura, a ponto de na década de 30, despontar como grande produtor de algodão no País, iniciando uma nova fase do algodão no Brasil. A primeira instituição bancária de nossa cidade, o chamado Banco Agrícola de Indaiatuba, importou sementes de algodão em 1933 impulsionando ainda mais a produção por aqui. E Dr. Cardoso estava atento a essa tendência: em 1º de abril de 1934, a Usina Indaiatuba, de sua propriedade, emite o Pedido de Compra número 1, adquirindo 81 sacos de algodão.

Dois anos depois, em 1936, a Usina Indaiatuba muda de nome e passa a se chamar, na Junta Comercial, “José Cardoso da Silva”, ainda no ramo de beneficiadora de algodão, tendo iniciado suas atividades no dia 1º de março de 1936 na Rua 11 de Junho, onde funcionou, de início, com dois descaroçadores. Em 1934, foi instituída uma lei no Estado de São Paulo tornando privativa do Estado a produção e distribuição de sementes de algodão.  Em 1939, a própria prefeitura municipal, sob a gestão do prefeito Sebastião Nicolau, anunciava que forneceria aos interessados sementes para plantar algodão.

Outra tendência que Dr. José Cardoso soube avaliar como oportuna foi o crescimento da sericicultura, a tal ponto que logo a seda substituiria o algodão como foco principal em seus negócios. A sericicultura chegou ao Brasil com D. João VI, mas tomou impulso pelos mesmos motivos que o algodão, após a grande guerra e principalmente para abastecer as indústrias da Inglaterra. Até que em 1935 o governo de São Paulo criou uma Seção exclusiva para incentivar a produção de ovos do bicho-da-seda e de prestar assistência técnica aos produtores e, em 1941, passou a existir o Serviço de Sericicultura do Estado de São Paulo e jornais anunciavam que 46 prefeituras haviam se disponibilizado a produzir amoreiras para o bicho-da-seda; entre elas, Indaiatuba, sob a gestão entusiasta do prefeito Sr. Miguel Nicolau para com essa produção, que no mesmo ano confirmou já ter plantado 6000 amoreiras. Nesse contexto de valorização da sericicultura, Dr. José Pedro montou a Fiação de Seda São Pedro.

Desde a Usina Indaiatuba montada em 1934 até a finalização da Fiação São Pedro, foi um período em que a atual Torcetex estava sendo gerada.

Em 1956, no mesmo prédio da Rua 11 de Junho onde funcionaram seus negócios desde a primeira Usina Indaiatuba até a Fiação de Seda São Pedro, nascia a Torcetex. O local funcionou como uma incubadora dessa importante empresa que está aí até hoje, já com a quarta geração assumindo a gestão de parte dos processos. Suas antecessoras e a própria Torcetex, em uma Indaiatuba pequenininha que girava em um pequeno centro urbano e com riqueza produzida em quase sua totalidade no campo, ofereciam uma rara oportunidade para as trabalhadoras e trabalhadores urbanos. De lá para cá, a história foi de crescimento e consolidação de uma organização produtora de fios e tecidos de palha para os variados segmentos de mercado com imensa diversidade de tramas e cores.