Por Eduardo Furtado Flores — Os últimos meses de 2023 reservaram uma notícia aguardada há décadas no Brasil e no mundo: a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e adoção pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de vacina comprovadamente eficaz contra a dengue, com início da vacinação prevista para fevereiro de 2024.
A dengue é uma doença causada por vírus e transmitida por mosquitos que coloca em risco aproximadamente dois terços da população mundial a cada ano. Somente no Brasil, em 2023, foram notificados mais de 1,6 milhão de casos (o número real estimado é 2 a 3 vezes maior), resultando em 52 mil hospitalizações e 1087 mortes. Seguindo esta tendência, a Fiocruz estima a ocorrência de 1,7 a 3 milhões de casos em 2024. Embora outras medidas preventivas venham sendo utilizadas com certo sucesso, acredita-se que uma vacina eficaz possa representar uma virada de página no combate à doença.
O desenvolvimento de uma vacina contra a dengue tem sido um dos maiores desafios da área das vacinas há décadas. A biologia e as interações complexas do vírus com o sistema imunológico, a existência de quatro sorotipos diferentes do vírus (dengue 1 a 4) e a epidemiologia da doença (transmissão por mosquitos) são alguns atores desse intrincado drama que, aparentemente, está chegando a um desfecho favorável.
A vacina desenvolvida por uma farmacêutica japonesa apresentou resultados muito animadores em relação à segurança e confere níveis muito bons de proteção contra os quatro sorotipos de dengue em pacientes de seis a 60 anos de idade. São características nunca vistas antes em vacinas experimentais contra a doença e, por isso, despertaram uma expectativa muito grande na comunidade científica mundial.
Mesmo assim, o impacto positivo da notícia inicial deu lugar a um certo desapontamento, pois a disponibilização de doses de vacina pelo fabricante será muito aquém da necessidade do país: aproximadamente 6 milhões de doses ao longo de 2024. Nesse contexto, o Ministério da Saúde (MS) adotou algumas prioridades para a vacinação, com razoável aval das entidades médicas: vacinação prioritária de pessoas com 10 a 14 anos de idade, faixa etária que apresenta maior taxa de hospitalizações, em cidades com mais de 100 mil habitantes com histórico recente de maior incidência da doença e com circulação do vírus da dengue tipo 2.
Com isso, pretende-se imunizar aqueles que estão em maior risco de adquirir a doença e que correm maior risco de desenvolver doença grave. Como o protocolo vacinal prevê a aplicação de duas doses com intervalo de três meses, o número de pessoas vacinadas nesta fase inicial será de aproximadamente a metade do número de doses disponibilizadas. A previsão de entrega de mais doses para os próximos anos ainda é incerta e, quando definida, ensejará o estabelecimento de novas prioridades.
Existem razões de sobra para celebrarmos a nova vacina contra a dengue. Afinal, a ciência obteve um resultado que buscava há décadas e que possui o potencial de mudar definitivamente a história dessa doença. No entanto, ainda temos um longo caminho a trilhar até a vitória final. A vacinação representa uma ferramenta fantástica no combate à doença, mas não é a única e, provavelmente, não será suficiente se utilizada isoladamente.
É absolutamente necessário que a sociedade siga desempenhando o seu papel, no combate incessante aos criatórios de mosquitos em seus domicílios e adotando medidas como a colocação de telas nas janelas e uso de repelentes para evitar a exposição aos mosquitos, enquanto a ciência e as autoridades sanitárias desempenham o seu papel, aumentando a disponibilidade das vacinas e a cobertura vacinal.
Sobre o autor | Eduardo Furtado Flores é virologista e professor de saúde pública no curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
(Fonte: Agência Bori)